Papagaio
Era uma alguém que quis contar uma história.
Era uma vez alguém que quis contar uma história.
Era uma vez alguém que quis tirar a história do papel, tela de
computador, e fazê-la transcorrer numa outra realidade, o teatro.
Era uma vez alguns que quiseram encená-la, com música-fala-movimento-
direção-caco e vai...
Não, talvez não seja bem assim talvez a ordem das ocorrências seja
distinta. No entanto, quando algo quer se contar, vai se materializando na trama
dos encontros narrativos e além. Foi o convite que a fez surgir? As pesquisas em
Silvio Romero, Câmara Cascudo, Ítalo Calvino, entre outros, desenham-se como
um corpo que cresce na imaginação que gesta.
As linhas gerais bondosamente contornam em comum: a moça recebe a
visita de um príncipe, encantado em papagaio. Depois de seu amor penoso ser
ferido, ela terá de enfrentar os perigos para salvá-lo da morte.
Abrem-se cortinas.
Iluminação, música, corpos, cenário, preparação de atores e vai longe a
Piso com pés de lã, com um lá querendo sair do nó da garganta, sempre
que ouço a música de abertura. Porém este é terreno outro, intenso e comovente,
assim afirmam meus olhos que se arregalam, para apreender o estourar do
acontecimento, junto com os dos outros meninos. Onde melhor encontrar
os acontecimentos do mundo dos sonhos, da loucura, senão na liberdade de
pensar criança, nas tramas infantis em que tudo vale? Eis o desafio tomado
e bem realizado. O engraçado o trágico balançam gangorreiam, rodopiam,
desierarquizam.
Na peça Papagaio, a brincadeira de contar explicita o segredo da
verdade... ela não passa de história. Quem conta funda, mas lá a distância é
outra, o tempo se retorce, o contador o detém e manda o rumo da narrativa. As
personagens caminham, cabriolam, cambiam, disputando lugar de modo ágil,
encantador. As vozes, ah! Aquelas vozes e as músicas, de Chico César, tão bonitas,
bem cuidadas, contam junto a história e também tocam a existência de algo sem
Numa enfiada de lembranças de tão daqui, regionais, desabrocham
universais, porque elas vêm em brilho, no movimento, nos rostos dos produtores
do acontecimento.
Um ator vira filha com voz grave, vestido de menina, brincam, a mãe diz
que ela sempre está rouca, é tudo. É rouca, é menina, com irmã de três olhos,
lembrando o fruto do guaraná. É o chapéu, é metáfora, é real, são as fitas de
vento. Amei o sol de cabelos black power loiro movendo-se à James Brown, e
seu pai? Sacando o imaginário japonês e a famosa terra do sol nascente. Aos
borbotões, a lembrança das fisionomias dos atores, todos focados, transmutados.
A atriz age, faz fisionomias gráceis, vira menina, a gagueira que some quando
canta, os óculos, a princesa que come meleca, o príncipe ágil baila movimento,
os monstrinhos, os cavalos, cornucópia. Vale ver. Amei ver, rever. Vai uma
declaração de amor a todos que fizeram peça.
*Anna Amélia de Faria é psicóloga, com mestrado em Comunicação e doutorado em Letras.