terça-feira, 9 de novembro de 2010

Papagaio por Anna Amélia de Faria

Papagaio

Era uma alguém que quis contar uma história.

Era uma vez alguém que quis contar uma história.

Era uma vez alguém que quis tirar a história do papel, tela de

computador, e fazê-la transcorrer numa outra realidade, o teatro.

Era uma vez alguns que quiseram encená-la, com música-fala-movimento-

direção-caco e vai...

Não, talvez não seja bem assim talvez a ordem das ocorrências seja

distinta. No entanto, quando algo quer se contar, vai se materializando na trama

dos encontros narrativos e além. Foi o convite que a fez surgir? As pesquisas em

Silvio Romero, Câmara Cascudo, Ítalo Calvino, entre outros, desenham-se como

um corpo que cresce na imaginação que gesta.

As linhas gerais bondosamente contornam em comum: a moça recebe a

visita de um príncipe, encantado em papagaio. Depois de seu amor penoso ser

ferido, ela terá de enfrentar os perigos para salvá-lo da morte.

Abrem-se cortinas.

Iluminação, música, corpos, cenário, preparação de atores e vai longe a

Piso com pés de lã, com um lá querendo sair do nó da garganta, sempre

que ouço a música de abertura. Porém este é terreno outro, intenso e comovente,

assim afirmam meus olhos que se arregalam, para apreender o estourar do

acontecimento, junto com os dos outros meninos. Onde melhor encontrar

os acontecimentos do mundo dos sonhos, da loucura, senão na liberdade de

pensar criança, nas tramas infantis em que tudo vale? Eis o desafio tomado

e bem realizado. O engraçado o trágico balançam gangorreiam, rodopiam,

desierarquizam.

Na peça Papagaio, a brincadeira de contar explicita o segredo da

verdade... ela não passa de história. Quem conta funda, mas lá a distância é

outra, o tempo se retorce, o contador o detém e manda o rumo da narrativa. As

personagens caminham, cabriolam, cambiam, disputando lugar de modo ágil,

encantador. As vozes, ah! Aquelas vozes e as músicas, de Chico César, tão bonitas,

bem cuidadas, contam junto a história e também tocam a existência de algo sem

Numa enfiada de lembranças de tão daqui, regionais, desabrocham

universais, porque elas vêm em brilho, no movimento, nos rostos dos produtores

do acontecimento.

Um ator vira filha com voz grave, vestido de menina, brincam, a mãe diz

que ela sempre está rouca, é tudo. É rouca, é menina, com irmã de três olhos,

lembrando o fruto do guaraná. É o chapéu, é metáfora, é real, são as fitas de

vento. Amei o sol de cabelos black power loiro movendo-se à James Brown, e

seu pai? Sacando o imaginário japonês e a famosa terra do sol nascente. Aos

borbotões, a lembrança das fisionomias dos atores, todos focados, transmutados.

A atriz age, faz fisionomias gráceis, vira menina, a gagueira que some quando

canta, os óculos, a princesa que come meleca, o príncipe ágil baila movimento,

os monstrinhos, os cavalos, cornucópia. Vale ver. Amei ver, rever. Vai uma

declaração de amor a todos que fizeram peça.

*Anna Amélia de Faria é psicóloga, com mestrado em Comunicação e doutorado em Letras.